Ucrânia oferece a milhares de reclusos liberdade condicional se aceitarem combater no terreno

por Joana Raposo Santos - RTP
Mais de 3.000 reclusos ucranianos já saíram em liberdade condicional e foram destacados em unidades militares. Foto: Alina Smutko - Reuters

A Ucrânia está a alargar o recrutamento para fazer face à grave escassez de efetivos no campo de batalha, após mais de dois anos de luta contra a invasão russa. Agora, pela primeira vez, o país vai oferecer a presidiários a oportunidade de saírem mais cedo da prisão se, em troca, forem combater no terreno.

Numa colónia penal rural no sudeste da Ucrânia, a Associated Press assistiu à visita de um recrutador do exército que, perante vários condenados, lhes ofereceu a hipótese de liberdade condicional.

"Podem pôr fim a isto e começar uma nova vida", explicou aos detidos. "O mais importante é a vossa vontade, porque vão defender a pátria. Não se tem sucesso com 50 por cento, é preciso darem 100 por cento, ou até 150 por cento".

Kiev não tem revelado detalhes nem sobre o número de tropas destacadas, nem sobre o número de baixas. No entanto, os comandantes na linha da frente reconhecem abertamente que estão a enfrentar sérios problemas de mão-de-obra, uma vez que a Rússia continua a aumentar as suas forças no leste da Ucrânia e a fazer progressos a oeste.

Segundo a ministra ucraniana da Justiça, Olena Vysotska, mais de 3.000 reclusos já saíram em liberdade condicional e foram destacados em unidades militares depois de o Parlamento ter aprovado, no mês passado, uma controversa lei de mobilização para permitir esse recrutamento.

De acordo com as estimativas do Ministério ucraniano da Justiça, cerca de 27.000 reclusos são potencialmente elegíveis para o novo programa.

"Grande parte da motivação vem do facto de [os reclusos] quererem regressar a casa como heróis em vez de regressar a casa vindos da prisão", explicou Vysotska à AP.
Reclusos querem “fazer algo pela Ucrânia”
Ernest Volvach tem 27 anos e quer trocar a prisão pelo campo de batalha. Está neste momento a cumprir uma sentença de dois anos devido a um assalto e trabalha na cozinha da colónia penal da região de Dnipropetrovsk.

“É estúpido ficar aqui e não fazer nada”, disse à AP, explicando que desde o início da invasão russa sentiu vontade de “fazer algo pela Ucrânia” e que viu nesta a sua oportunidade.

Para se candidatarem à liberdade condicional, os reclusos têm de realizar uma entrevista, um exame médico e ver a sua pena revista pelas autoridades competentes. Aqueles condenados por violação, assédio sexual, homicídio de duas ou mais pessoas ou crimes contra a segurança nacional da Ucrânia não são elegíveis. A Ucrânia possui uma população prisional de cerca de 42.000 pessoas, segundo dados enviados por Kiev à União Europeia.

Depois de selecionados, os reclusos em liberdade condicional são enviados para um treino em campos onde aprendem a manusear armas e outros procedimentos de combate. O treino é finalizado posteriormente, quando se juntam às unidades individuais.

As autoridades ucranianas têm procurado fazer uma distinção entre este seu programa e o recrutamento, pela Rússia, de condenados para servirem no grupo mercenário Wagner.

Kiev garante que os seus reclusos serão enviados para unidades da linha da frente, enquanto os membros do Wagner são habitualmente canalizados para as “batalhas mais mortíferas”.

Apesar de, com as recentes reformas na Ucrânia, o número de prisioneiros ter diminuído e as condições nas instalações terem melhorado, no ano passado o Departamento de Estado dos EUA registou relatos de "tratamento ou castigo degradante" por parte das autoridades prisionais no seu relatório anual sobre Direitos Humanos.
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